Monday, February 18, 2013

GP DE FORTALEZA DE 1969

 

O automobilismo brasileiro estava em crise em 1969. Interlagos estava fechado, e assim, a “Meca” do automobilismo brazuca, que era São Paulo, ficara sem um local onde realizar suas corridas. O efeito disso foi sentido no automobilismo de um modo geral, em 1968 e 1969. As corridas eram poucas, e o fechamento de Interlagos sem dúvida foi um dos fatores que causou a morte da Fórmula Vê, embora os cariocas tenham feito de tudo para manter a categoria viva.

Com Interlagos fechado, o autódromo do Rio ganhou a posição de mais importante autódromo do Brasil, onde ocorreram algumas das mais importantes provas do biênio 68/69. Curiosamente, realizaram-se corridas em alguns locais inusitados, como Salvador e Campinas, ao passo que outros locais tradicionais, como Petrópolis e Piracicaba, sem contar as provas de estrada do Rio Grande do Sul, fechavam as portas para sempre.

O nordeste nunca foi um local pujante no automobilismo. Entretanto, esporadicamente realizavam-se corridas em diversas cidades. As equipes de fábrica estiveram presentes em diversas corridas realizadas em Recife em meados dos anos 60. Salvador, Natal, Maceió e Fortaleza realizaram provas, geralmente disputadas por pilotos regionais. Estas freqüentemente contavam com menos de 10 carros, algumas com meia dúzia ou menos. Não interessava: o ponto era correr. E alguns ídolos locais surgiram, como Lulu Geladeira, Arialdo Pinto, Armando Barbosa, Neném Pimentel.

O que faltava no nordeste era um autódromo, e foi exatamente isso que o governo estadual do Ceará resolvera construir. A pista ficou pronta em 1968, e foi batizada de Autódromo Virgilio Távora. A corrida de inauguração, realizada em 12/1/1969, só contou com pilotos regionais, e foi ganha por Lulu Geladeira, com um Puma VW.

Marcar corridas em lugares longínquos nunca foi uma estratégia que deu muito certo nos calendários brasileiros. Grande prova disso foi o calendário do primeiro Campeonato Brasileiro de Fórmula Vê, que contava com provas em Blumenau, Brasília, Porto Alegrem, Belo Horizonte, nenhuma das quais foi realizada. A Federação Paulista freqüentemente “reservava” datas para cidades como Bauru, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, que nunca realizavam provas. Ou seja, marcar uma prova do campeonato brasileiro para o Virgilio Távora, nos idos de 1969, era um ato de otimismo.

O automobilismo dessa época às vezes demonstrava um grande potencial que acabava não sendo realizado, por uma série de fatores. Coisas que deixavam uma esperança de que o esporte se desenvolveria no país. O entusiasmo pelas Mil Milhas, a temporada de 1965, a vitória de Bird Clemente no Uruguai. Uma dessas coisas foi o GP do Ceará de 1969.

Os campeonatos brasileiros, durante muito tempo, não passavam de campeonatos paulistas. Gaúchos raramente viajavam para correr em Interlagos, havia poucos cariocas, e mineiros, e os paranaenses e catarinenses também eram insulares. Os nordestinos ficavam no nordeste, e os brasiliense e goianos no Planalto Central. Ou seja, o que poderia se esperar de uma corrida de campeonato brasileiro em Fortaleza, em pleno 1969?

Está certo que os prêmios não seriam baixos. O GP pagaria NCR$10.000,00 para os vencedores, NCR$5.000,00 para os segundos colocados, e $3,000.00 para os terceiros. Isso sem contar com NCR$1.000,00 em prêmio de largada dos carros que viessem do Sul (os procedentes do próprio Nordeste ganhariam menos) Colocando em perspectiva, o preço de tabela de um fusca era NCR$11.000,00, e o Opala mais barato custava NCR$16.763,00. A revista QR custava NCR$3,00, uma suculenta lagosta ao termidor num restaurante do Recife, NCR$9,00. As diárias no hotel mais caro do Recife começavam em NCR$40.00. Em suma: era uma boa grana. A Federação Cearense obteve os recursos junto aos governos de outros estados, Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte.

Assim que, pilotos de diversas áreas do país decidiram que valia a pena a viagem para o Nordeste. Pilotos de diferentes áreas se cotizaram e alugaram carretas, e acabaram participando equipes de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Aracaju, Fortaleza e até do longínquo Rio Grande do Sul, a 4147 km de distância.

O nordeste, acostumado com corridas de meia dúzia de carros, geralmente humildes fuscas, DKWs e Gordinis, de repente era invadido por verdadeiros bólidos para a época: uma Lola T70, do mesmo tipo que ganhara Sebring no começo do ano; a famosa equipe Jolly com suas Alfa GTA; o protótipo Bino Mark I, na mão de pilotos cariocas; o lendário Chico Landi, com um protótipo baseado em uma ex-Maserati esporte, que pertencera a Fangio; um AC, de Olavo Pires; o protótipo Patinho Feio, de Brasília, que surpreendia carros bem mais potentes, além do melhor que o Nordeste tinha a oferecer, inclusive o Puma de Lulu Geladeira e o Karmann Ghia de Neném Pimentel. Ao todo, 22 carros.
Entre os pilotos, muitas feras: Marivaldo Fernandes, Emilio Zambello, Alex Ribeiro, Chico Landi, Ubaldo Lolli, Chiquinho Lameirão (correndo para uma escuderia local), Antonio Carlos Avallone, Milton Amaral, Rafaelle Rosito, Carlos Erymá, Mario Olivetti.

Para muitos a viagem foi difícil. A própria equipe Jolly, que acabaria vencendo a prova, só decidira que participaria do evento na quarta-feira, e teve que literalmente correr muito para chegar em Fortaleza a tempo. Luis Fernando Terra Smith, que compartilhou a Alfa 25, também foi co-piloto do caminhão Ford F600, durante a bagatela de quinze horas seguidas!!!

Nos treinos a Lola não fez feio, e marcou a pole position. Os bem intencionados irmãos De Paoli tinham pouca experiência para domar o monstro de 400 HP e concepção moderna. Muitas vezes, marcavam voltas mais rápidas ou a pole-position, como nessa corrida, mas nas corridas deixavam a desejar. Quem sabe, teria sido melhor passar mais algum tempo obtendo experiência com carros menos potentes. Mais tarde, com o Avallone-Chrysler, a história foi mais ou menos igual.
Mas a Lola sairia na frente, seguida de Ubaldo César Lolli, com uma das Alfa GTA, a de 1900 cc, só um segundo atrás da Lola. Em terceiro, largariam Marivaldo/Terra Smith, seguidos de Fernando Pereira/Carlos Eryma, com o Bino, Chico Landi/A.C.Avallone, com a Maserati disfarçada, José Morais/Milton Amaral, com um protótipo VW, Rafaele Rosito/Silvio Toledo Pisa, com Protótipo VW, Lulu Geladeira/André Buriti, com Puma, Fernando Ari/Chico Lameirão, com VW, Alex Ribeiro/João Luis da Fonseca, com o Patinho Feio, o KG de Neném Pimentel/Samuel Cohen, e o resto. Muitos carros marcaram tempos entre 1m20 e 1m23, prometendo pelo menos bastante briga no pelotão intermediário.

Na prova, De Paoli devia estar pensando em lagostas e praias, e não viu a bandeirada, perdendo para as duas Alfas de Ubaldo e Marivaldo. De Paoli ainda chegou a passar Marivaldo, mas logo abandonou, preocupado com um ponteiro acusando alta temperatura. Desistiu, para não ter um grande prejuízo com o motorzão Chevrolet fundido. Mas depois constatou-se que o marcador estava com defeito, e poderia ter continuado na prova. Ubaldo forçou demais a sua GTA, e acabou abandonando, deixando o caminho livre para a dupla Marivaldo/Terra Smith. Alguns dos outros carros fortes também ficaram pelo caminho, como o protótipo de Landi e o Bino Mark I, e em segundo chegaram Silvio Toledo Pisa, de São Paulo, fazendo dupla com o gaúcho Rafaelle Rosito.

Em terceiro, o Patinho Feio de Brasília surpreendeu mais uma vez, com Alex Dias Ribeiro.

Entre os pilotos da “terra” os mais bem sucedidos foram os baianos Brussel/Bastos, que chegaram em quinto com um Puma, seguidos de uma dupla do Ceará, Carlos Fernando/Arialdo Pinho, com um elegante protótipo VW made in Ceará. Nenem Pimentel e o seu KG não chegara até o final.
Para o guarujaense Marivaldo Fernandes, um triunfo pessoal: tornara-se campeão brasileiro antecipado, além de levar o caneco do primeiro GP do Ceará.

Esta corrida provou que com organização, criatividade, empenho, muita vontade e boa dose de dinheiro, era possível fazer uma verdadeiro automobilismo de integração nacional. Infelizmente, o evento foi um caso isolado, em termos do Ceará. Pode-se contar em uma mão o número de vezes que o Autódromo Virgilio Távora foi usado em provas de expressão nos primeiros 25 anos da sua via. Salvo por uma etapa do Torneio BUA de F-Ford, em 1970, uma etapa de Divisão 3 em 1974, e uma corrida no ano inaugural da Stockcar em 1979, o autódromo quase sempre foi preterido dos calendários nacionais, privando os fãs cearenses e nordestinos de ver o automobilismo praticado no sul. Recentemente, o autódromo vem sendo incluído no calendário da F-3 sul-americana.

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